Passou o dia inteiro sem conseguir se concentrar em nada. Na escola, passou a maior parte do tempo fitando a janela sem ver, e passou a tarde agitada sem motivo aparente. Foi se deitar cedo aquele dia; colocou os fones de ouvido e fechou os olhos. De repente, se sentou no escuro; a reprodução aleatória de seu iPod tinha ido parar numa música que não deveria estar ali... algo que a fazia lembrar do que já precisava ter esquecido.
Resolveu, só daquela vez, deixar que tudo viesse; as lembranças, as frustrações, os momentos que tentava apagar. Essas coisas que ela disfarçava, varria para debaixo do tapete em sua mente, escondia numa gaveta bem no fundo dos arquivos dentro de sua cabeça. Escondia dela mesma. Quando esses pensamentos dolorosos lhe vinham, sempre dizia a si mesma que tudo estava bem, respirava fundo, contava as partes boas de sua vida, e jogava essas dores para longe.
Esse método é indolor e de rápido efeito; mas às vezes cansa. Deus sabe o quanto é exaustivo se recusar a sentir algo, não querer parar e pensar. Então deixou fluir; sentada em sua cama, com aquela música conhecida explodindo em seus ouvidos, deixou-se simplesmente lembrar. Lembrou-se de todos os detalhes, e lhe era assustador; era como se seu passado ainda estivesse ali. Nem sabia que conseguiria reproduzir tão bem todas as cenas em sua cabeça.
Então virou dor física. Sentiu seu peito se apertar, a respiração perdeu seu ritmo e seu coração dobrou o dele. Apertou os joelhos contra o peito, para tentar tomar o controle e passou lá um bom tempo... reviveu tudo. As lágrimas lhe saltavam dos olhos, mas ela sentia tudo terminar.
Dormiu exausta, dessa vez sem sonhos; e acordou se sentindo melhor; sabendo que tudo estaria bem, como sempre soubera; mas é que às vezes, é necessário deixar a ferida sangrar para que ela cicatrize.
até hoje, sempre escapei com vida.
