terça-feira, 24 de agosto de 2010

panorama


Quando o telefone tocou e viu o número na tela, não acreditou. Um sorriso rápido, deep breath e pressionou o verde. Convite feito.. não conseguia acreditar. Ficou pensando no porquê da ligação. Calculou que devia ser resultado do que contara sobre aquela menina nova. Não importava. Ela estava dentro!
Tudo o que sempre quisera. Aquela tribo é tão in. Tão rosa. Tão atrasada. Aquelas meninas tinham os cabelo mais brilhantes, as unhas mais bem-feitas, e as cabeças mais vazias desse mundo. Parou um pouco pra pensar no que usar. Tirou do armário sua única blusinha de marca, com o logo na frente, seu jeans mais caro comprado em várias prestações e esticou o cabelo até não poder mais. O efeito era bom. Até que se parecia bastante com uma delas.
Então, com a maior felicidade do mundo, plastificou um sorriso perfeitamente branco no rosto. Ia curtir com a galera mais descolada de seu colégio; aquelas pessoas tão diabólicamente legais. Antes de sair, deu uma olhada no facebook pra encontrar um babado novo ou outro, pra se manter interessante. E saiu. Não gostava especialmente de nenhum deles, mas não precisava gostar. Ela era um deles agora.


''Segue a babilônia alucinada dessa geração

Mais uma festa alucinada em outra dimensão
Sigo tranqüilo me esquivando da estagnação..''

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

tanto a mar

Acordou se sentindo mar. Olhou pela janela. Sabia não poder vê-lo dali; mas tinha vontade de ver além do que a vista de seu apartamento lhe permitia. Então olhou o horizonte e viu a si mesma de dentro; e viu o céu, e sentiu o cheiro de maresia, e pisou na areia. Assim como a maré, mudava à medida que a lua mudava sua figura no céu; e ao fechar os olhos sua visão se estendia, e sabia ser parte do todo.
Da sua janela no interior do Brasil, ela era água, e derramava o céu, e mergulhava em si.
Então voltou a dormir, livre dessa vez. Devia ser um sonho tudo aquilo. Não podia; era muito doce pra ser mar.



'A cantar, na maré que vai
E na maré que vem
Do fim, mais do fim, do mar
Bem mais além
Bem mais além do que o fim do mar' - Vinícius de Moraes

sábado, 7 de agosto de 2010

5,6,7,8


Existe um lugar em que eu não sou tão complicada, cheia de incertezas, medos e dúvidas. Nesse lugar e nesse momento, a única coisa que existe é a música. Eu perco a noção de tempo, e posso ficar ali pra sempre.. qualquer preocupação que eu tinha ficou para trás, escondida na coxia. Isso me eleva, e eu esqueço de contar a música. Mesmo que isso me faça ficar um compasso ou dois à frente, vale a pena estar ali, só por estar. Nessa hora eu não existo de verdade. Existe a luzinha que eu vejo piscando na cabine de som, o ritmo da minha respiração. Nem a dor nos meus pés, nem uma bolha contra o gesso da sapatilha, nem a dificuldade dos movimentos estão lá.
Eu sei que quando acabar, eu vou me lembrar de tudo, e aí sim talvez a dor e o nervosismo possam me atingir... mas não ali. Ali, eu sou quem eu quero ser. Até que as luzes se apaguem, eu sou dona de mim. Na minha idéia de paraíso, eu aconteço às piruetas. E quando estou no palco, tudo flui naturalmente.. e eu sinto que posso ser um pouco mais de mim.

blackout